Tópico 54- Deslocalização π: benzeno

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Nos polienos lineares conjugados (link butadieno), isto é, polienos que apresentam carbonos adjacentes com hibridação sp2,  a combinação linear das orbitais pz paralelas resulta na formação de orbitais moleculares π policêntricas. Não há assim nestes compostos ligações π localizadas entre dois átomos de carbono. Um caso notável de deslocalização π é ilustrado com a molécula de benzeno, C6H6. O benzeno foi descoberto em 1825 por Michael Faraday no gás de iluminação usado em Londres na época. Em 1834, o químico Edilhardt Mitscherlich determinou a fórmula molecular do benzeno. Durante quatro décadas, a estrutura do benzeno permaneceu um desafio para os químicos que não conseguiam descobrir como ligar seis átomos de carbono e seis átomos de hidrogénio  e muito menos explicar as propriedades anómalas do benzeno no que respeita à sua reactividade. 

Em 1865, o químico alemão Friedrich August Kekulé, que se distinguiu como um dos mais importantes químicos da época, propôs uma estrutura cíclica para o benzeno. Estra estrutura, como o próprio reconheceu num discurso em Berlim, por ocasião do 25º aniversário do anúncio da fórmula estrutural do benzeno, em 1890,   (Theodor Benfey, Journal of Chemical Education, vol.35, 1958, p.21), foi desenvolvida após um sonho com átomos de carbono em que no meio de vários movimentos estes se dispunham como uma cobra que mordia a própria cauda.  Em 1872, Kekulé (que insistia que o benzeno apresentava uma estrutura totalmente simétrica) propôs a sua «hipótese vibratória» que não envolvia o equilíbrio das duas estruturas de simetria mais baixa designadas actualmente como estruturas de Kekulé.  Segundo Kekulé, essas vibrações resultavam num intercâmbio entre as ligações duplas e simples de forma a que «cada carbono (...) tem exactamente a mesma relação com ambos os vizinhos [no alemão orginal, «...jedes Kohlenstoffatom...zu deinen beiden Nachbarn genau in derselben Beziehung steht»]. No entanto esta proposta de Kekulé não era passível de compreensão na época e perdurou a ideia de que a sua hipótese implicava a existência de duas estruturas em equílibrio rápido com alternância das ligações duplas (Fig 1).
estrutura benzeno kekulé
Figura 1 - Estruturas de Kekulé para o benzeno.

 As estruturas de Kekulé não explicavam a estabilidade especial do benzeno, nomeadamente não explicavam porque razão a hidrogenação do benzeno em ciclohexano (C6H12) libertava menos calor do que o esperado, isto é, uma vez que no benzeno há três ligações duplas, a hidrogenação destas deveria libertar 360 kJ.mol-1, o equivalente a três vezes o calor de hidrogenação do ciclohexeno (C6H10) com apenas uma ligação dupla (Fig. 2). Assim, o benzeno parecia possuir uma estabilização adicional de 150 kJ.mol-1.
hidrogenação benzeno
Figura 2  - Hidrogenação do ciclohexeno e do benzeno.

Esta estabilização foi explicada por Linus Pauling em 1931, ano em que este propôs a teoria da ressonância para explicar a estabilidade especial de compostos como o benzeno, moléculas designadas aromáticas por razões históricas ( popup: O adjectivo «aromático» é utilizado por químicos orgânicos em relação a compostos que apresentam uma baixa relação hidrogénio/carbono, isto é, apresentam um grau de insaturação elevado (link alcinos),  mas que não reagem como o esperado com agentes oxidantes. O termo surgiu após se ter verificado que certas substâncias naturais encontradas na casca da árvore da canela, nas vagens de baunilha ou em sementes de anis, continham compostos fragrantes com reactividade inesperada. A casca da canela,  por exemplo, contém um composto aromático na acepção corrente do termo de fórmula  C9H8O, denominado cinamaldeído (link aldeídos) . Este composto com baixa razão hidrogénio/carbono apresenta uma baixa reactividade química quando comparada com a reactividade típica de alcenos e cicloalcenos. Nomeadamente por tratamento com uma solução quente de permanganato dá origem a um composto de fórmula C7H6O2, hoje em dia denominado ácido benzóico (link ácidos carboxílicos ), que pela fórmula molecular apresenta um elevado número de ligações duplas. Estas são anormalmente pouco reactivas e o ácido benzóico pode ser convertido em benzeno, igualmente inerte quimicamente.). Pauling propôs que o benzeno era um híbrido de ressonância das duas estruturas de Kekulé, chamadas contributores de ressonância,  mas que nenhuma delas representava de facto o benzeno já que neste composto as ligações  π estariam deslocalizadas sobre todo o anel benzénico. Não havia assim um equilíbrio rápido entre as duas estruturas com a ligação dupla  localizada alternadamente entre todos os carbonos do anel mas sim um ligação de ordem 1.5 entre estes. A estabilização extra do benzeno em relação ao ciclohexeno foi atribuída a uma energia de ressonância que estabilizaria o benzeno e restantes compostos aromáticos.

A estabilidade química do benzeno é hoje em dia facilmente explicada com base na descrição da ligação química nesta molécula sem necessidade de recorrer a qualquer termo empírico. A molécula de benzeno é um anel de seis membros constituído pelos seis átomos de carbono ligados entre si e em que cada átomo de carbono estabelece ainda uma ligação sigma com um átomo de hidrogénio. Os seis  átomos de carbono estão rodeados por três zonas com electrões,  apresentando hibridação sp2. A configuração do carbono no anel benzénico é:

C - [He] 2sp212sp212sp212pz1

As orbitais sp2 são usadas para formar o esqueleto sigma da molécula de benzeno, ou seja, são usadas em ligações localizadas carbono-carbono e carbono-hidrogénio, sendo estas últimas resultantes da combinação de uma orbital sp2 de cada carbono com uma orbital 1s de cada um dos seis átomos de hidrogénio (Fig. 1). As três orbitais híbridas de cada carbono estabelecem três ligações σ, que fazem entre si ângulos de aproximadamente 120º, isto é, o anel de benzeno é um hexágono regular .


Figura 3- Ligação química no benzeno, C6H6: esqueleto σ.

A molécula de benzeno é assim uma molécula planar e as orbitais 2pz que não entraram na hibridação são paralelas entre si e só podem coalescer lateralmente estabelecendo ligações π. As seis orbitais 2pz satisfazem os critérios de coalescência e energia necessários à sua combinação e o sistema π do benzeno consiste em seis orbitais moleculares resultantes da combinação linear das seis orbitais atómicas 2pz representadas na Fig. 4. As orbitais ligantes π1 a π6 estão ocupadas e as restantes estão vazias.

Diagrama de energias benzeno 

Figura 3- Ligação química no benzeno, C6H6: orbitais moleculares π.

Uma vez que, contrariamente ao que acontece em polienos conjugados conjugados (link polienos conjugados),  as distâncias carbono-carbono no anel benzénico são iguais, a sobreposição espacial da orbital pz de um dado átomo de carbono é exactamente a mesma com qualquer das orbitais pz dos dois átomos de carbono a que se liga.  A orbital de menor energia, ψ1, corresponde a uma interferência construtiva de todas as orbitais 2pz  em que os coeficientes de combinação são iguais:

ψ1= 1/√6 [ φ2pz (C1)+ ... + φ2pz (C6)]

A energia desta (e das restantes orbitais ligantes) é inferior à das correspondentes ligações π localizadas pois, como foi sugerido pelo modelo do electrão na caixa de potencial (link partícula na caixa), a energia do electrão é inversamente proporcional  ao tamanho da caixa; logo uma orbital que se estende a seis átomos tem menor energia (conferindo maior estabilidade ao respectivo sistema molecular) do que uma orbital com contribuição de apenas dois átomos. Esta estabilização adicional decorrente da interferência de não duas mas seis orbitais pz corresponde assim à energia de ressonância proposta por Pauling e explica a inércia química das ligações π no benzeno em particular e em compostos aromáticos em geral .